Izabelle Torres
IstoÉ
Desde que o debate sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff
passou a dominar a pauta política, muitas vozes se levantaram para
discorrer sobre o aspecto legal do processo. As opiniões, em geral,
procuram levar em consideração se Dilma cometeu ou não um ato de
corrupção, pois no único caso registrado no País, o impeachment de
Fernando Collor, em 1992, foi possível fazer a associação direta do
presidente da República com o malfeito.
![JÁ EXISTE FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA PARA O IMPEACHMENT DE DILMA](https://lh3.googleusercontent.com/blogger_img_proxy/AEn0k_vfe8QMwlpPUGuF61CpEzjkH_NCHVrV3UwoH2N7r0ZH4PH4bYhNBpluyNi1m77mWw7W8bEGloTmfTC6zqru2zg4MSvwSVNhJ6fhlb6jjzCGMiTHxWglPLS5mJMRW1-JuyqbWNY5hlm8q4R0JdA7Y2_xUewl0rjllfylB8KbYA0p96RrmZIjqlxIxXNCYYhqGQmqJHTw93I-evF2PH9FHqbRRw=s0-d)
Naquele ano, Collor foi acusado de ter suas contas pessoais pagas
pelo esquema PC Farias, tesoureiro da campanha que seria uma espécie de
testa-de-ferro do então presidente. Como Dilma não incorreu em algo
semelhante, há no meio jurídico quem sustente que não há nada que
justifique, até agora, a abertura de um processo de impeachment.
Mas se ainda não há uma denúncia que ligue pessoalmente a presidente a
uma prática de corrupção clássica, como a que apeou Collor do poder, o
mesmo não se pode dizer de outras ações, igualmente ilegais, cometidas
por Dilma que podem sim ser enquadradas na norma constitucional que
disciplina o impeachment.
CRIMES
No Brasil, o impeachment está previsto nos artigos 85 e 86 da
Constituição, mas, como eles precisariam de uma lei complementar para
ser regulamentados, a discussão se baseia na lei 1.079, de 1950. A 1.079
tipifica 65 crimes como sendo de “responsabilidade” e passíveis de
afastamento do presidente da República. Dilma pode ser enquadrada em
pelo menos dois artigos do capítulo VII desta lei.
Ao tratar dos crimes contra o emprego do dinheiro público, a norma
condena duas condutas: “Ordenar despesas não autorizadas por lei” e
“abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais”. No
exercício do mandato, Dilma cometeu os dois erros.
CEF COBRA NA JUSTIÇA
O TCU já concluiu que o governo atrasou repasses do Tesouro a bancos
públicos para melhorar as contas de 2013 e 2014. Uma maquiagem que
rendeu prejuízos bilionários e obrigou os bancos a usarem recursos
próprios para bancar despesas da União. Além disso, o governo atrasou o
pagamento das obras do programa Minha Casa, Minha Vida, para manter os
recursos na conta e forçar um saldo positivo que não existia.
O mesmo ocorreu com outros programas sociais, como o Fies. Pelos
prejuízos que teve com essas manobras, a Caixa cobra na Justiça mais de
R$ 200 milhões em taxas que não foram pagas por ministérios. A prática
ficou conhecida como pedalada fiscal.
SEM AUTORIZAÇÃO
A situação da presidente pode ficar ainda pior, uma vez que os
técnicos do tribunal descobriram também que Dilma assinou de próprio
punho a abertura de créditos sem fundamentos e sem a autorização do
Legislativo – proibição também prevista na lei. No parecer que está
sendo elaborado pelo TCU, os técnicos vão afirmar que é impossível
poupar a presidente pela culpa nas pedaladas fiscais, já que foram
descobertos 10 decretos criando despesas ilegalmente.
O ato de ofício presidencial não deixa dúvidas de que ela foi
responsável pela criação dos créditos suplementares em desconformidade
com a lei e aumentou despesas sem a autorização do Congresso – crime
previsto no artigo 58 da Lei de Responsabilidade. Somente um deles,
criou despesa de mais de R$ 15 bilhões em 3 de dezembro do ano passado.
PROBIDADE
A presidente Dilma também pode ser enquadrada no capítulo que trata
dos crimes contra a probidade na administração. O artigo 40 diz que
incorre nesse crime o presidente que “não tornar efetiva a
responsabilidade de subordinados em delitos funcionais ou atos
contrários à Constituição”.
Em depoimento, os delatores da Lava Jato deixaram claro que a
campanha presidencial foi abastecida com recursos de origem ilegal. O
ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, por exemplo, disse que o PT
recebeu entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões entre 2003 e 2013.
O delator Júlio Camargo diz ter repassado irregularmente US$ 2 milhões para as campanhas petistas em 2010 e 2014.
Há ainda o depoimento do empresário Ricardo Pessoa, dono da empresa
UTC, que afirmou aos procuradores da Lava Jato ter doado à campanha de
Dilma à reeleição R$ 7,5 milhões em dinheiro desviado de contratos da
Petrobras, depois de pressionado pelo tesoureiro da campanha.
“Com um parecer técnico, vai ficar difícil até para aliados do
Planalto explicarem”, diz o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).
IMPUGNAÇÃO DA CHAPA
Outro fantasma ronda os corredores do Palácio do Planalto: a ameaça
de impugnação da chapa pelo TSE, caso se confirmem as denúncias de que a
campanha de Dilma no ano passado foi abastecida com dinheiro do
Petrolão. Os indícios são fartos. Ao votar no dia 13 de agosto, o
ministro Gilmar Mendes afirmou que existem provas que justificam a
instrução processual da ação de impugnação de mandato eletivo quanto ao
financiamento de campanha com dinheiro oriundo de corrupção. “Nem
precisa grande raciocínio jurídico para concluir que a aludida conduta
pode, em tese, qualificar-se como abuso do poder econômico, causa de
pedir da ação de impugnação de mandato eletivo”, afirmou. Para dois
ministros ouvidos por ISTOÉ, o depoimento dos delatores da Lava Jato, em
especial de Ricardo Pessoa, serão decisivos para provar a origem ilegal
do dinheiro para a campanha. A própria prisão e a condenação do
tesoureiro do PT, João Vaccari, levam a campanha de Dilma para o
epicentro do Petrolão. O parecer do juiz Sérgio Moro é contundente: “A
lavagem de dinheiro gerou impacto no processo político democrático,
contaminando-o com recursos criminosos”, afirmou Moro.
PEDIDO DE BICUDO
Diante das evidências, o pedido de impeachment feito pelo jurista
Hélio Bicudo sugere o julgamento da presidente tanto pelo crime de
responsabilidade, como também pelo crime comum. “A existência de crimes
comuns apenas reforça a necessidade de se punir a irresponsabilidade. Em
primeiro lugar, tem-se que a Constituição Federal, a lei e a doutrina
não afastam a possibilidade de dupla punição (por infração política e
também penal) e, em segundo lugar, diante da inércia da autoridade
competente para fazer apurar o crime comum, ainda mais legítimo rogar a
esta Egrégia Casa que assuma seu papel institucional”, escreveu.
O consenso no mundo político é de que não faltam demonstrações de que
a presidente praticou algumas das irregularidades listadas na lei de
responsabilidade. Quanto mais as investigações avançam, mais os fatos
empurram a presidente para a saída.
Fonte: Tribuna da Internet