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Escrito por João Ubaldo Ribeiro |
Ter, 19 de Agosto de 2014 17:00 |
Vestibular de verdade era no meu tempo.
Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom
era no meu tempo; meu e dos outros coroas. O vestibular, é claro, jamais
voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas julgo
necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas
coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).
O vestibular de Direito a que me
submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro
matérias: português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que
esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que
se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que
não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão
ruybarbosianamente quanto possível, com citações decoradas,
preferivelmente. Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida,
dos quais até hoje sei o comecinho. Havia provas escritas e orais. A
escrita já dava nervosismo, da oral muitos nunca se recuperaram
inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto)
e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical
desta juventude de hoje.
A oral de latim era particularmente
espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance
do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira.
Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário), o
mestre não perdoava. — Traduza aí quousque tandem, Catilina, patientia
nostra — dizia ele ao entanguido vestibulando. — "Catilina, quanta
paciência tens?" — retrucava o infeliz. Era o bastante para o mestre se
levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem
pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala. —
Ai, minha barriga! — exclamava ele. — Deus, oh Deus, que fiz eu para
ouvir tamanha asnice?
Que pecados cometi, que ofensas Vos
dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai! Pode-se imaginar o
resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar,
sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas
dores de barriga seguidas, na sua prova oral. Comigo, a coisa foi um
pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais
alto coturno em seu elenco. O maior público das provas orais era o que
já tinha ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar um
show". Eu dei show de português e inglês. O de português até que foi
moleza, em certo sentido.
O professor José Lima, de pé e tomando
um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas: — Dou-lhe dez, se
o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino
Nacional! — As margens plácidas — respondi instantaneamente e o mestre
quase deixa cair a xícara. — Por que não é indeterminado, "ouviram,
etc."? — Porque o "as" de "as margens plácidas" não é craseado. Quem
ouviu foram as margens plácidas.
É uma anástrofe, entre as muitas que
existem no hino. "Nem teme quem te adora a própria morte": sujeito:
"quem te adora." Se pusermos na ordem direta... — Chega! — berrou ele. —
Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre a Bahia! Quis o irônico
destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de
Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a
banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor
carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado
com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela
vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó,
gravata e abotoaduras vistosas.
A prova oral era bestíssima. Mandava-se o
candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não
sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra
trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse
mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a responder nada.
Então, eu, carrasco fictício, peguei no
texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser"
quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo,
considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser. —
Esse "for" aí, que verbo é esse? Ele considerou a frase longamente, como
se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois
ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente. — Verbo for. — Verbo o
quê? — Verbo for. — Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo. —
Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós fomos, vós
fondes, eles fõem.
Não, dessa vez ele não passou. Mas, se
perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto
qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda
aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo,
era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente
diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a
certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe
Fonte: JB News
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