segunda-feira, 31 de março de 2014

MAÇONARIA, SOCIABILIDADE ILUSTRADA E INDEPENDÊNCIA


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Escrito por Alexandre Mansur Barata   
Sáb, 29 de Março de 2014 17:00
Introdução
O objetivo geral deste trabalho e compreender a inserção e a trajetória da maçonaria e dos maçons no Brasil, na virada do século XVIII para o século XIX, procurando identificar as diferentes práticas políticas e culturais que caracterizavam sua forma de atuação. Com isso procura-se fazer uma leitura do processo que antecedeu a independência do Brasil, marco primeiro da construção do Estado nacional, a partir da discussão relativa ao papel dos diferentes espaços de sociabilidade que se desenvolveram naquele momento, especialmente a maçonaria.

Estudar a trajetória da maçonaria e se deparar com um duplo desafio: em primeiro lugar, apesar dos avanços notáveis ocorridos nos últimos anos, a história da maçonaria continua
praticamente desconhecida, tanto no Brasil quanto fora dele; e, em segundo, trata-se de enfrentar o problema da acessibilidade as fontes de pesquisa. O fato da maçonaria ser uma
instituição fechada, de caráter iniciático, faz com que seus arquivos não sejam franqueados aqueles que não pertençam a Ordem. Embora tal premissa não seja válida para outras
realidades, como a francesa por exemplo, essa ainda e uma orientação seguida pelos maçons brasileiros, o que de certa forma dificulta, mas não impede, que surjam trabalhos de
pesquisa extremamente importantes para a compreensão do papel dessa instituição na vida política e cultural do Brasil.

Além dos desafios apontados, entendi que, para analisar esse momento inicial da maçonaria no Brasil, era necessário adotar duas atitudes ou fazer dois movimentos: o primeiro era
tentar aproximar a produção historiográfica portuguesa sobre a maçonaria, extremamente rica, porem excessivamente centrada no espaço europeu (conforme apresentado nos trabalhos de A. H. de Oliveira Marques e Graça e J. S. Silva Dias e outros) com as questões específicas do desenvolvimento da maçonaria no espaço colonial e com as questões propostas pela produção historiográfica acadêmica brasileira sobre o período e sobre a temática. Como uma instituição de caráter cosmopolita, bem ao gosto “ilustrado” da época em que surgiu, era necessário procurar os canais de comunicação que existiam entre os maçons dos dois lados do Atlântico Outro movimento foi o de procurar incorporar ao estudo da instituição maçônica no Brasil os avanços propostos pelo diálogo entre uma “história política renovada” e pela história cultural. De um modo mais geral, pensar uma história política renovada pelo diálogo com a história cultural e pensar numa história política que tem por objetivo “analisar não só comportamentos coletivos e os seus efeitos, mas também o que provem da percepção e das sensibilidades. O que a leva a interessar-se pelos fenômenos de transmissão de crenças, das normas e dos valores.” A partir dali a noção de sociabilidade se mostrou extremamente significativa.

Para grande parte dos historiadores que se dedicam a essa temática, o trabalho do historiador trances Maurice Agulhon, cuja primeira versão data de 1966, constitui um marco essencial na transformação da noção de sociabilidade em uma categoria operacional e fecunda para a pesquisa histórica. De no pão imprecisa, normalmente utilizada em seu sentido filosófico e psicológico para definir o gosto ou a atitude de viver em sociedade, a no pão de sociabilidade passou a ser percebida de uma forma totalmente diferente e inovadora, visto que ela abria um novo campo de preocupações direcionado para o estudo da dinâmica da vida associativa em um lugar e tempo definidos.

De forma especifica, a publicação de Penitents et francs-maçons de l’ancienne Provence  contribuiu para uma mudança qualitativa dos trabalhos sobre a história da Maçonaria. Tal temática achava-se até então relegada a um segundo piano nos meios acadêmicos franceses e fortemente marcada pelas interpretações conspirativas que remontavam as primeiras tentativas de explicar a eclosão revolucionaria de 1789. Assim, o trabalho de Agulhon possibilitou integrar o movimento maçônico a vida associativa que se desenvolveu na região francesa da Provença de uma forma dinâmica, sem perder de vista suas mutações tanto do ponto de vista do recrutamento, quanto das suas funções e estrutura.

Desta forma, a utilização da noção de sociabilidade, como foi trabalhada por Maurice Agulhon e, mais recentemente, por Jean-François Sirinelli, possibilita um exame extremamente rico da trajetória dos maçons, pois permite analisar esta atuação tendo em vista duas dimensões: a dimensão do “discurso ou simbólica” e a dimensão da “organização”. Observa-se então, que a análise do “espaço social” construído pelos maçons na virada do século XVIII para o século XIX, no Brasil, toma-se um poderoso instrumento de entendimento do processo de produção e circulação das ideias. Para Sirinelli, “a palavra sociabilidade reveste-se (…) de uma dupla acepção, ao mesmo tempo redes que estruturam e microclima que caracteriza um microcosmo intelectual particular”. Ou seja, o espaço de sociabilidade e, ao mesmo tempo, “geográfico” e “afetivo”, pois ao estabelecer relações deadesão e/ou de rejeição, acaba por criar uma certa “sensibilidade ideológica”.

Mas antes de avançarmos, toma-se necessário compreender alguns aspectos referentes ao surgimento da maçonaria na Escócia e na Inglaterra, na virada do século XVII para o séculoXVIII. Todavia, um primeiro exercício no sentido de uma melhor compreensão das origens da maçonaria está em adotar um novo olhar para toda uma literatura produzida, em sua maioria, pelos próprios maçons desde o início do século XVIII, que ao objetivar dar legitimidade a sua atuação procurava apresenta-la como uma instituição criada em “tempos imemoriais”, o que era reforçado nos rituais e símbolos utilizados pelos maçons em suas reuniões. Assim, os maçons do século XVIII apareciam como herdeiros diretos dos egípcios antigos, dos essênios, dos druidas, de Zoroastro, de Salomão, das tradições herméticas, da Cabala, dos Templários, etc.

Não se trata apenas de eliminar o que há de lendário, de mítico nestas narrativas, como alguns autores sugerem, ou de admitir a impossibilidade de se estabelecer as origens desta instituição, mas sim de entender por que os maçons do século XVIII, particularmente na Grã-Bretanha e na França, procuraram associar a instituição que estavam construindo com tais tradições. Esse e o desafio proposto, por exemplo, pelo historiador espanhol Ferrer Benimeli. Baseando-se em F. Sbigoli, escritor italiano do final do século XIX, Ferrer Benimeli procura responder a questão atribuindo-a a uma necessidade das lideranças maçônicas do início do século XVIII de engrandecer a organização exagerando sua antiguidade. “A vaidade estabelece como máxima que, quanto mais remota se situa a origem de algo ou alguém, maior e a prova de sua grandeza e mérito” Mas a tentativa de construção de uma continuidade em relação a um passado historicamente significativo, uma “tradição inventada” na feliz expressão de Eric Hobsbawm e Terence Ranger, responde muitas vezes também aos desafios impostos por u ma situação nova. No caso especifico, uma Europa que se modernizava, que se urbanizava, ainda fortemente marcada por anos e anos de guerras religiosas e na qual seus habitantes experimentavam pela primeira vez a sensação de um tempo que se acelerava. “Assim, ao colocar-se conscientemente contra a tradição e a favor das inovações radicais, a ideologia liberal da transformação social, no século passado, deixou de fornecer os vínculos sociais e hierárquicos aceitos nas sociedades precedentes, gerando vácuos que puderam ser preenchidos com tradições inventadas”

Apesar das divergências, grande parte dos historiadores concorda que a Maçonaria, como hoje a conhecemos, e herdeira das corporações de oficio surgidas durante o período medieval, que gradualmente tiveram sua composição social alterada com a admissão de membros da pequena nobreza, de negociantes, os chamados “maçons aceitos”. Tomando como base de analise dois dos principais manuscritos conhecidos sobre a organização dos pedreiros na passagem do século XIV para o século XV, isto e os manuscritos Regius e Cooke, o historiador Edmond Mazet afirma que, dentre as corporações medievais, as dos pedreiros possuíam uma forma específica de organização. Elas não estavam organizadas em guildas municipais, mas sim em assembleias provinciais anuais ou trienais. Nestas assembleias novos membros eram admitidos e instruídos sobre as regras do oficio de pedreiro, enquanto aqueles que tinham cometido faltas eram punidos.

Outra característica importante era o seu conteúdo cristão, expresso não só na adoção de vários símbolos cristãos, mas também na estreita relação entre os pedreiros e os clérigos. Para esse historiador, os dois manuscritos possuem claras evidencias de que foram escritos por membros do clero com o objetivo de catequizar os pedreiros medievais, através da divulgação de instruções de caráter moral e religioso. Ressalta ainda que o caráter secreto de suas práticas e apenas vagamente mencionado nestes manuscritos. De qualquer modo, como ressalta Edmond Mazet, esse processo de “enobrecimento” da instituição significou uma releitura de suas tradições corporativas, a partir de um novo quadro de referências culturais, resultando em duas grandes transformações. A primeira diz respeito a adoção da tolerância religiosa, a prendido restrita aos cristãos, mas que no decorrer do século XVIII foi estendida aos judeus e muçulmanos. A segunda refere-se ao desenvolvimento de um novo conteúdo esotérico, através do empréstimo de outras tradições, como por exemplo a cabala, a alquimia e a cavalaria. Para Margaret Jacob, não foi acidental que estas transformações tenham acontecido primeiro na Grã-Bretanha. Afinal, o processo de enfraquecimento das corporações de oficio e das guildas teria acontecido mais cedo lá do que no restante da Europa. Além disso, a sociedade britânica se mostrava mais permeável a uma maior interação entre proprietários, pequena nobreza e cidadãos comuns. Na Escócia, por exemplo, como aponta o historiador David Stevenson, desde o início do século XVII, várias oficinas de pedreiros já apresentavam sua composição social alterada. Na realidade, David Stevenson vai além. Para ele, a maçonaria moderna foi uma invenção escocesa. Somente no final do século XVII e início do século XVIII, as inovações acontecidas na corporações de oficio na Escócia se expandiram para a Inglaterra.

Segundo Stevenson, as origens da maçonaria moderna podem ser encontradas nas corporações de oficio dos pedreiros durante o período medieval, com suas lendas que procuravam acentuar a importância e antiguidade do oficio de pedreiro, bem como transmitir preceitos morais e religiosos; com seus segredos relativos às técnicas e práticas de trabalho; com algum tipo de cerimônia para marcar a entrada de um novo sócio na corporação de ofício.

Todavia, na passagem do século XVI para o século XVII, na Escócia primeiramente, essas contribuições das organizações de ofício medievais (lendas, rituais, procedimentos secretos de reconhecimento dos membros, estrutura institucional baseada em lojas) se fundiram com aspectos do pensamento renascentista escocês, fortemente marcado por um
hermetismo místico, para dar origem à maçonaria moderna. Ao longo do século XVII, homens de diferentes posições sociais, atraídos e intrigados pelos segredos dos pedreiros e suas declarações sobre a posição intelectual única de seu ofício, começaram a ser iniciados nas lojas.

Mas se a maçonaria moderna foi uma invenção escocesa, segundo ainda Stevenson, no início do século XVIII, algumas inovações e adaptações foram introduzidas na Inglaterra com o objetivo de adequá-la ao novo clima intelectual propiciado pelo pensamento das Luzes. “Influências medievais, renascentistas e iluministas foram misturadas para criar uma instituição que parecia refletir o espírito progressivo da época, com ideais de fraternidade, igualdade, tolerância e razão.”

Mas como sugere Margaret C. Jacob, se a maçonaria moderna foi uma invenção escocesa como quer David Stevenson, as características das lojas maçônicas que se espalharam pelo restante da Europa, no decorrer do século XVIII, parecem ser tributárias das transformações ocorridas no início do século XVIII na Inglaterra. E a natureza dessa dívida era muito clara: ênfase nas práticas representativas e constitucionais, que Londres simbolizava como centro do debate parlamentar e dos partidos políticos. Essas transformações verificadas, sobretudo, na virada do século XVII para o século XVIII, inicialmente na Escócia e posteriormente na Inglaterra, foram apreendidas pela historiografia maçônica como etapas da passagem de uma maçonaria operativa/medieval para uma maçonaria especulativa/moderna. A maçonaria deixava de lado as preocupações tipicamente ligadas ao exercício da profissão de pedreiro, para se dedicar ao aperfeiçoamento moral e intelectual dos seus membros. Ela se transformava cada vez mais em uma espécie de “sociedade de pensamento” de caráter cosmopolita e secreto, reunindo homens de diferentes raças, religiões e línguas, com o objetivo de alcançar a perfeição moral por meio do simbolismo de natureza mística e/ou racional, da filantropia e da educação.

A emergência da chamada maçonaria moderna/especulativa coincidiu com um momento da história inglesa bastante singular. Conforme assinala Maria Lúcia G. Pallares-Burke, a virada do século XVII para o século XVIII na Inglaterra foi marcada por um “empenho de mudar e aprimorar o comportamento dos homens em sociedade. Superadas em princípio as
questões da sucessão real e das fanáticas disputas religiosas, a questão que restava enfrentar parecia aos ingleses ser a da corrupção moral. Tratava-se, enfim, de complementar com uma Revolução Moral a Gloriosa Revolução de 88.” Apoiadas e incentivadas pelos reis Guilherme e Maria, e posteriormente pela rainha Ana, aconteceram “autênticas cruzadas morais” com o objetivo de incentivar a “reforma das maneiras”, dos hábitos dos ingleses. Nesse período, Londres, por exemplo, assistiu ao surgimento de associações, como as Society for the Reformation of Manners, dedicadas à causa da moralidade, bem como ao surgimento e circulação de periódicos também dedicados a reformar, a educar, a polir os hábitos dos ingleses como, por exemplo, The Spectator editado por Joseph Addison e Richard Steele.

Mas se havia um solo propício para a germinação da maçonaria moderna, pensada enquanto uma instituição preocupada com aprimoramento moral e intelectual de seus membros, havia também algo que a singularizava e que também teria sido responsável pelo seu crescimento, acabando por ultrapassar as fronteiras britânicas. Segundo o historiador Steven C. Bullock, naquele momento inicial, três elementos se confundiam e ajudavam a estruturar a maçonaria moderna, o que de certo modo a tomava singular em meio as outras associações e clubes de convívio que também surgiram naquele período: o fascínio que as tradições corporativas dos pedreiros medievais (história, rituais, símbolos) exercia sobre os fundadores da maçonaria moderna; a identificação que a maçonaria possibilitava entre sociabilidade e formação intelectual; a presença de aristocratas e intelectuais entre seus membros.

Ponto de inflexão, sob o ponto de vista organizacional, nesse momento de afirmação da maçonaria especulativa/moderna foi a fundação em 24 de junho de 1717 de uma Grande
Loja em Londres, a partir da reunião de quatro lojas maçônicas (Goose and Gridiron, Crown Ale House, Apple Tree, The Rummer and Grapes), cujos nomes referem-se aos das tabernas
onde aqueles maçons se reuniam. Embora esse episódio tenha sido supervalorizado, sobretudo pela historiografia inglesa, como ressalta David Stevenson, naquele dia 24 de junho de 1717, dia de São João Batista, os maçons londrinos, se reuniram e decidiram pela criação de um organismo central, elegendo para dirigi-lo Anthony Sayer na qualidade de seu grão-mestre. No ano seguinte, George Payne assumiu o grão-mestrado, sendo sucedido, em 1719, pelo Reverendo John T. Desaguliers. Em seguida, o grão-mestrado passou a ser exercido por membros da aristocracia: o Duque de Montagu (1721) e o Duque de Wharton (1722).

Em 1723, durante o grão-mestrado do Duque Wharton, foram aprovadas as Constituições da maçonaria que foram redigidas por James Anderson. Trata-se do documento final de um
trabalho iniciado em 1721, que objetivava recolher e reunir os antigos arquivos da maçonaria operativa/medieval e atualizar seus regulamentos e normas de conduta. Dividido em duas grandes partes (história da maçonaria, regulamentos e deveres de um maçom), esse documento constitui um dos pilares da chamada maçonaria especulativa/moderna. Embora a maçonaria moderna ou especulativa tenha surgido na Grã-Bretanha, sua expansão para o continente europeu e para a América aconteceu de forma rápida, porém irregular, em função das perseguições que se realizaram por parte de alguns governos seculares e pela Igreja Católica, causadas sobretudo pelo seu caráter secreto e pela enorme adesão que provocou.
No caso do Brasil, a historiografia, tanto a produzida pelos próprios maçons quanto por historiadores acadêmicos, tem continuamente reafirmado que a introdução da maçonaria aconteceu no final do século XVIII, alcançando no início dos anos 20 do século XIX um papel destacado nas articulações que culminaram na Independência. De fato, essa imagem que
associa de forma direta Maçonaria e Independência acabou por se tomar quase que uma tautologia.

Todavia, para aqueles que se debruçam sobre a historiografia do período, o tema da maçonaria apresenta-se como um paradoxo: ela é ao mesmo tempo muito citada, mas pouco conhecida. Daí que algumas questões permanecem em aberto: qual o sentido para o pertencimento a esse tipo de sociabilidade? Como a Maçonaria recrutava os seus membros e quais as suas principais formas de atuação? O que era ser maçom no final do século XVIII e início do século XIX no Brasil? Como se deu a inserção da sociabilidade maçônica na América Portuguesa? Como as autoridades portuguesas viam o crescimento da maçonaria? Para alcançar os objetivos e responder os problemas propostos optei por estruturar a tese em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, discutirei a emergência no interior da sociedade luso-brasileira, na virada do século XVIII para o século XIX, de algumas manifestações heterodoxas, críticas em relação aos valores típicos do Antigo Regime. Esse comportamento heterodoxo, que foi entendido como “libertinagem” ou “francesia” pelas autoridades portuguesas, quer civis, quer eclesiásticas, constitui um instrumento importante para a compreensão do processo de inserção e expansão de novas formas de sociabilidade, especificamente, da sociabilidade maçônica na América Portuguesa, visto que muitas vezes a figura do libertino se confundia com a do maçom.

No segundo capítulo, o grande objetivo será responder as questões: o que é ser maçom na virada do século XVIII para o século XIX? Quais são os elementos que constituem sua
identidade? Quais as representações criadas pela sociedade luso-brasileira em tomo do pertencimento àquele tipo de sociabilidade? O terceiro capítulo será dedicado a pensar as relações entre Maçonaria – Estado – Igreja Católica. Num contexto marcado pelas transformações decorrentes do processo revolucionário francês de 1789 e de redefinição do mapa europeu em função da política napoleônica que resultou na invasão de Portugal pelas tropas francesas e na transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro, podese perceber que se tônica da atuação das autoridades portuguesas (civis ou eclesiásticas) em relação aos maçons e à maçonaria foi a ação repressiva, ela não foi linear. Iremos perceber como, na virada do século XVIII para o século XIX, essa repressão foi aos poucos deixando de ser tratada apenas como um crime contra a fé católica e, portanto, sob a
alçada precípua do Santo Ofício, para ser tratada como um crime político, uma ameaça ao Estado absoluto.

O quarto capítulo será dedicado ao período no qual o Grande Oriente do Brasil assumiu a direção da atuação dos maçons. Embora curto, trata-se de um período extremamente significativo, pois a maçonaria passava de uma fase de maior informalidade para alcançar um período mais estruturado. É o momento também em que se acirram os debates em tomo do futuro do Império português que culminou com a ruptura de sua porção americana. Cabe, portanto, aqui discutir os diferentes projetos políticos que mobilizaram os maçons no período, enfatizando a presença de conflitos internos ao mundo secreto das lojas, bem como suas possíveis táticas de ação. Assim, procurarei demonstrar que, para além de uma
identificação simplista entre Maçonaria-Independência, no final do século XVIII e início do século XIX, a sociabilidade proporcionada pelas lojas maçônicas contribuiu para a construção e mobilização das diversas forças sociais, não só como canal de divulgação do ideário liberal, mas sobretudo como espaço de construção de uma cultura política marcada pela prática do debate, da representação, da elaboração de leis, da substituição do nascimento pelo mérito como fundamento da ordem social e política, constituindo-se portanto em esteio para a criação de uma esfera pública civil, fundamental dentro do contexto social do mundo luso-brasileiro.

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