quarta-feira, 25 de junho de 2014

AQUILINO: CEM ANOS DE CONSAGRAÇÃO


PDF Imprimir E-mail
Escrito por Mario Jorge (Lisboa)   
Seg, 16 de Junho de 2014 17:00
O ano de 2013, no espaço plural da língua e da literatura portuguesas, convoca-nos para a visão retrospetiva da obra e da vida de Aquilino Ribeiro entre os grandes acontecimentos culturais que devem ser assinalados. A Sociedade Portuguesa de Autores, num diversificado programa que tem início hoje, neste espaço emblemático, recorda Aquilino, nos 50 anos da morte e no centenário da publicação do primeiro livro, O Jardim das Tormentas, que logo o integrou nos escritores portugueses de sempre. Cumpriu-se o vaticínio expresso no prefácio de Malheiro Dias, um monárquico que foi para o Brasil, a seguir ao 5 de Outubro e que não hesitou em reconhecer o talento de um jovem anarquista iniciado na Carbonária para acelerar a proclamação da República.
«As letras portuguesas» – escreveu Malheiro Dias – «possuem hoje mais um admirável artista, que se incorpora na dinastia dos grandes escritores. Eu me considero feliz, senhor Aquilino Ribeiro, de admirá-lo e de estimá-lo, pois são inefáveis prazeres – e tão raros vão sendo – o poder admirar e o saber estimar» (…) «a sua obra – observou ainda - não é das que necessitam de um cicerone.»
Sendo visceralmente um homem da Beira, Aquilino também ficou um homem de Lisboa. Viveu, intensamente, um percurso da serra para a cidade, mantendo um forte vínculo com as raízes. Residiu em Lisboa. Morou em Santo Amaro de Oeiras e na Cruz Quebrada. Todos os dias recorria aos transportes públicos, aos elétricos, aos autocarros, aos comboios suburbanos. O Tejo acentuou-lhe a consciência da paisagem e as metamorfoses da luz.
As casas onde morou constituiram a oficina para a construção da escrita. Recolheu tesouros dos mestres vernáculos para cruzar com a fala espontânea, e quantas vezes bravia, da boca do povo da serra ou da cidade, conciliando a tradição erudita com a linguagem popular. Legou-nos uma obra feita de heranças e descobertas, terra lavrada de palavras e de reflexões que remetem para o passado, o presente e o futuro individual e coletivo.
O Chiado foi um dos locais diários para o convívio e conspiração, nas tertúlias dos cafés, dos consultórios e escritórios de amigos e correligionários; na Bertrand, a sua editora e, tal como já acontecera com Herculano, desde a porta da rua à sala da livraria, era o ponto de encontro com escritores, jornalistas e políticos, para se informar das últimas novidades literárias portuguesas e estrangeiras. Em todo este roteiro de itinerários quotidianos passou a incluir-se o Panteão Nacional — que nos reúne, hoje, nesta homenagem — para celebrar a memória de Aquilino.
Aquilino chegou, pela primeira vez, a Lisboa, em Novembro de 1903, no exato dia da inauguração do monumento a Eça de Queiroz, no Largo Barão de Quintela. É melhor dar a palavra a Aquilino que, em alguns fragmentos do livro de memórias Um escritor Confessa-se, recorda esse período que faz parte da historia do escritor e da história de Lisboa. Foi numa «manhã tépida, de céu ambarizado por um sol que (…) há cinquenta anos a esta parte (…) era raro faltar á cidade, que deixou de ser de mármore e granito para ser, no seu maior dimensional, de tijolo mal cozido e cimento roubado».
A estátua de Teixeira Lopes tem na base a epígrafe extraída da Relíquia «sob a nudez forte da Verdade o manto diáfano da Fantasia», que vai acompanhar Aquilino, apesar de ter adotado no processo da criação outros mestres literários: Camilo, Cervantes, Fialho e Anatole France. Naquele momento ficou-lhe apenas uma imagem e um nome: «a mulher nua abria braços roliços no meio do largo debaixo das palmeiras. O romancista olhava para ela, por cima do ombro, com ar meio farto, meio divertido». (…) O nome de Eça eu só conhecia de ouvido». (… ) Prometi ir lê– lo e foi esse o primeiro numero do meu programa em branco.»
Aquilino vinha de um seminário, perdera a fé, encontrava-se em plena cidade com a angústia de quem procura um modo de vida: (…) Sentia-se (e volto a citar) «no não cairei como o náufrago que acaba de varar numa riba a pique. Não conhecia ninguém». (…) «Entrava para a Biblioteca Nacional com o abrir do portão e era o último a largar. Nunca me aconteceu adormecer sobre os livros como convidava aquela sala de abóboda, firmada em aduelas de tijolo, verdadeira adega do espirito fradesco. (…) «Mas havia muitos que dormiam e ressonavam, sem escândalo para ninguém.»
Decorrido mais de meio século, ao selecionar reminiscências da sua primeira Lisboa não esqueceu, na inauguração do monumento de Eça, «os vários e balofos discursos na roda de uma centena de basbaques». E recorde-se que falaram, o Conde de Arnoso, o Marques de Ávila, Ramalho Ortigão, Luís de Magalhães, António Cândido, o conde de Resende, em nome da família, e Aníbal Soares, em representação da Academia de Coimbra.
Contudo, Aquilino, salienta que, não tendo aparecido referência nos jornais, viu e ouviu usar da palavra «um rapaz, vermelho de tez, sanguinário, ao que ouvi dizer estudante de Medicina. Apareceu com certo rompante, na voz, e no gesto a rebeldia de Yokanan, e representou ali os anti: anti-acácio, anti-burguês, anti-romântico, ant-nariz de cera, e foi o que recolheu mais aplausos da turba interessada.» «Explosivo no que disse – concluiu. O seu nome, como tal, evaporou-se e nem sequer foi citado pelas gazetas».
Como também nunca mais esqueceu que ele próprio, Aquilino, pela sua «extrema sociabilidade», fora «recebido de braços abertos numa grande roda republicana, repórteres, jornalistas, funcionários públicos, farmacêuticos, onde passei a ter parte cantante». (…) «A tormenta revolucionária condensava-se sobre a capital e não havia ninguém que se furtasse ao seu fluido magnético».
Os estigmas do seminário eram fortes, mas eram muito mais fortes os caudais de energia da serra que o moldaram à sua imagem e semelhança: «nas digressões pelos montes me fiz rijo, filósofo embora de filosofia barata, amigo da solidão, e armazenei o pouco de firmeza que pela vida fora me tem couraçado perante os descalabros da sorte e ralé para responder com uma ou outra das sete pedras de David à agressividade dos jagunços, de bacamartes municiados nas alfurjas do Poder.» (…)« quando me vim embora, trazia a aldeia nos poros, no sangue e no cérebro (…) na aldeia de alma bárbara, escola da negra e rude vida, aprendi a conhecer o homem no jogo dos instintos capitais».
Passou a frequentar o Gelo, no Rossio: «o café era a universidade e a antecâmara permanente da revolução». (…) «Pouco a pouco eu fui tendo voz onde antes só tinha ouvidos». (…) «Era um revoltado contra o regime e comungava no descontentamento e republicanismo de Lisboa inteira». (…) «Era ponto de fé que a regeneração do País só poderia fazer – se derrubando a monarquia. Espíritos modernos e homens de boa vontade entregavam – se a essa tarefa de corpo e alma».( …) Portugal era um « país pobre, maltrapilho, semibárbaro, devorado pela política e estúpido por força da educação ministrada pela Igreja e por Coimbra».
Aceitou o convite de Luz de Almeida e ingressou na Carbonária. Viveu de traduções de francês e de italiano e da escrita em jornais e revistas. As ligações revolucionárias levaram-no à prisão e à fuga da prisão. A polícia procurava-o por toda a parte. Conseguiu avançar para o exílio. Paris abriu-lhe os braços. A França vai despertar Aquilino para um admirável mundo novo. Identificou-se – escreveu 40 anos depois – com A França que acabou em 1914, noutros termos o símbolo do povo que ocupou na história da Civilização, do Renascimento para cá, lugar equivalente da Grécia na Antiguidade». Era a «França ecuménica, sol e sal da terra, segunda pátria para os rebeldes que tiveram de perder a sua, Jerusalém de todos os sonhadores e aflitos. (Por obra e Graça)
Um dos seus ídolos literários, Anatole France, exortou no Monte Latino: meus caros camaradas, não tenham medo de passar por utopistas, de construir nas nuvens, de arquitetar repúblicas imaginárias como Thomas Morus, Campanela, Fénelon. Utopista é a injúria ordinária que os espíritos estreitos jogam aos grandes espíritos e na qual os políticos se escudam para condenar os pensamentos elevados. A utopia é o princípio de todo e qualquer progresso; sem os utopistas de outrora, viveríamos ainda miseráveis nas cavernas. (Por obra e Graça)
Esta filosofia politica e intelectual tornou-se, desde então, uma das linhas de rumo na vida e na literatura. Para sempre ficará rebelde, insubmisso, refratário às tiranias. Mais duas vezes voltará ao exílio. A política era uma das suas paixões irreprimíveis, mas a escrita constituía o seu ofício, a banca de trabalho para o pão de cada dia. Dela fez o seu modo de vida.
Homem da serra dos pés à cabeça, por dentro e por fora, Aquilino condensou o universo rural numa série de livros que costumo chamar o «Quinteto da Beira”: Os Avós dos Nossos Avós (1943); Aldeia (1946); Geografia Sentimental (1951); Arcas Encoiradas (1953), e O Homem da Nave (1954). Aqui se deparam os usos e tradições dos habitantes desde épocas remotas até às primeiras décadas do século XX, quando se rasgam estradas, se introduzem meios de transporte que vão do caminho-de-ferro até à camionete da carreira e ao automóvel. Quando apareceu a rádio houve a primeira aproximação com o mundo. Rompeu-se o isolamento antes do impacto da televisão e dos prodígios da internet. Testemunho
deste quotidiano longínquo era o Malhadinhas, o almocreve que se incumbia das comunicações entre o interior e o litoral, o campo e a cidade, levando e trazendo produtos essenciais do comércio regional.
«O Quinteto da Beira» pode considerar-se uma narrativa literária marcada pelo conspecto histórico, antropológico e arqueológico, pela análise dos comportamentos das populações pela relação com o ambiente e por uma visão comunitária com lentas incursões no presente sem cortes imediatos com o passado. A garra do escritor está em sintonia com Leite de Vasconcelos (a cuja memória dedica Os Avós dos Nossos Avós) ao investigar as estruturas, das sociedades primitivas até à evolução da atual organização administrativa; avança com pistas que desbravam o caminho para Orlando Ribeiro assentar as bases e identificar as matrizes da geografia humana, as características do Portugal Atlântico e do Portugal Mediterrânico; e antecipou, em algumas décadas, a sistematização de Gonçalo Ribeiro Teles, ao proceder à definição da paisagem cultural.
A tudo isto acrescentou a visceralidade telúrica da meseta ibérica que o conduziu à descoberta da serra e das suas pulsões arteriais. Aquilino completou a erudição de Leite de Vasconcelos, o magistério universitário e ensaístico de Orlando Ribeiro e Gonçalo Ribeiro Teles ao captar e transmitir a essência dos pequenos lugares, onde todos se integram mas cada um mantém as características que enriquecem perante os outros.
A marca da autenticidade do homem e o plasma latente da terra perduram noutros livros em que reconstituiu a infância e adolescência Cinco Reis de Gente, Uma Luz ao Longe e Via Sinuosa. Assim como algumas das lutas políticas em que se envolveu ficaram no livro de memórias incompletas Um Escritor Confessa-se e nas autobiografias romanceadas Lápides Partidas e Arcanjo Negro.
Seja no campo, seja na cidade, as posições que assumia incentivavam a abertura à pluralidade de ideias, o confronto de opiniões, a enfrentar os adversários olhos nos olhos, refractário aos preconceitos e aos dogmas, à teia de interesses instalados, ao exercício da coragem e ao direito à indignação. Orgulhava-se das suas origens e do tempo em que acordou para a vida e a literatura: «A geração a que pertenço nasceu revolucionária, as gerações que alvoreceram depois de mim revolucionárias perduraram. É com esta têmpera que nasce o Sol.
O escritor aos setenta anos não perdera a pujança da escrita e o compromisso ativo da intervenção cívica. Publicou a Casa Grande de Romarigães, em 1955, crónica romanceada inserida em Paredes de Coura e que se expande através do Alto Minho e nos territórios do Tâmega e da Galiza, tão diferentes da paisagem da Beira Alta. Pouco depois travou a última batalha como escritor e cidadão, no romance Quando os Lobos Uivam, editado em 1958 para exaltar a insurreição das populações ao reivindicarem nas fráguas da serra dos Milhafres a posse e a defesa dos baldios afetados por novas leis e, ao mesmo tempo, denunciar as instituições que alicerçavam a continuidade de Salazar.
O ano de 1958 coincidiu com o vendaval desencadeado pela campanha eleitoral de Humberto Delgado, candidato da oposição à Presidência da República. Aquilino pertenceu à comissão da candidatura e fez declarações públicas de apoio e com tal frontalidade que rompeu a possível impunidade que, desde o regresso do exílio em 1932, usufruía, a começar pelo próprio Salazar, admirador confesso da sua obra literária.
Logo na abertura de Quando os Lobos Uivam, Aquilino contestou a ausência da liberdade de expressão e de reunião, as purgas universitárias, a demissão compulsiva das universidades de alguns dos nomes mais prestigiados das ciências e das letras. Mas o ataque político mais cerrado no decurso da narrativa de Quando os Lobos Uivam teve por objetivo desmascarar a orgânica e funcionamento dos Tribunais Plenários que, até ao 25 de Abril, envolveram a promíscua cumplicidade de duas ou três gerações de magistrados com a PIDE.
O julgamento apenas servia para confirmação do processo elaborado pela PIDE recorrendo à tortura e à coação. Quando os Lobos Uivam não deixa cair no esquecimento às gerações presentes e futuras, as fatalidades, desventuras e infortúnios dos presos políticos, massacrados pelas atrocidades policiais, quantas vezes condenados à deportação e que deram tudo pelos seus ideais, em muitos casos a própria vida.
À apreensão de Quando os Lobos Uivam seguiu-se a instauração de um processo-crime por difamação injúria e calúnia, ideias subversivas contra a segurança do Estado e insulto à magistratura. A luta política intensificava-se. Uma carta do Bispo do Porto a Salazar foi um golpe profundo na unanimidade do episcopado; as encíclicas do Papa João XXIII e as propostas do Concilio Vaticano II instigaram os católicos para se manifestarem na oposição. O assalto comandado por Henrique Galvão ao "Santa Maria" alertou a opinião pública internacional para a política portuguesa. Para a ditadura e o colonialismo. As Nações Unidas colocaram em debate a autodeterminação e independência das colónias.
Eram presos, em 1961, muitos subscritores do Programa da Democratização da República que abrangeu largas dezenas de figuras, umas ainda ligadas ao 5 de Outubro de 1910, como Helder Ribeiro, Mário de Azevedo Gomes e Câmara Reys; outras, intervenientes no MUNAF, no MUD, nas campanhas das eleições presidenciais de Norton de Matos e Humberto Delgado e outras áreas de combate para a urgência de um Estado de Direito.
A transição da ditadura para a democracia era exigida desde Fevereiro de 1927 e, sobretudo, com a ida de Salazar para primeiro-ministro, com a Constituição de 1933 que suprimia todas as liberdades fundamentais. Aquilino vai participar com três gerações que, através da publicação de livros, da colaboração na Imprensa, na ação conspirativa e na luta armada, arrostando vexames, provações e ostracismos, se bateram pela abolição da censura, a restituição da liberdade de Imprensa; a eliminação dos entraves administrativos à liberdade de associação; a prisão preventiva sem culpa formada; a extinção dos tribunais plenários; o fim das medidas de segurança, que, aplicadas aos mesmos presos políticos, acabavam por se assemelhar à prisão perpétua. Também reclamavam na sequência das liberdades e garantias constitucionais, o direito ao trabalho, o direito à emigração, a restauração do sufrágio universal para a eleição do Presidente da República.
A independência da India que se vai consumar em 1961 acentuou a agitação e a dureza férrea do regime. A partir de 1962, vai iniciar-se a guerra colonial nas frentes de combate de Angola, Guiné e Moçambique; as greves académicas que reclamavam a autonomia universitária, a restituição das liberdades fundamentais, o debate sobre a autodeterminação e independência das colónias.
Devido a pressões internacionais, Salazar determinou, em 1954, o encerramento provisório (?). Mas com a eclosão da guerra colonial, o ministro do Ultramar Adriano Moreira, em 1961, restabeleceu o Tarrafal. Passou a denominar-se, em Cabo Verde, Campo de Trabalho de Chão Bom e, em Angola, Campo de Trabalho de Missombo. Destinavam-se à prisão de militantes dos movimentos nacionalistas africanos. Encarcerou mais de duas centenas de nacionalistas de Angola, Guiné e Cabo Verde.
Alguns ali faleceram. Cumpriram ali pesadíssimas penas quatro escritores: Luandino Vieira, Mendes de Carvalho, António Cardoso e António Jacinto. Quase toda a obra de Luandino Vieira, posterior a Luuanda – o livro que lhe deu renome nacional e internacional – foi escrita na prisão, tendo conseguido fazer sair, clandestinamente, os respetivos manuscritos.
Outros políticos, intelectuais e militares como, por exemplo, Malagatana Valente, Rui Nogar, Luis Bernardo Honwana e José Craveirinha, entre tantos e tantos mais, detidos em Machava e Madalane, em Moçambique; outros foram para a ilha das Galinhas, na Guiné. Até ao 25 de Abril vão manter-se com as prisões de Caxias, do Aljube, de Peniche. O Tarrafal será encerrado a 1 de Maio de 1974, na sequência da libertação promovida pelo Movimento das Forças Armadas a todo o território português.
Aquilino insurgiu-se contra estes espaços carcerários que submetiam à tortura, à sede, à fome, ao isolamento prolongado. Se vivesse teria assistido e contestado outro acontecimento negro da repressão fascista, o decreto do Ministro da Educação Inocêncio Galvão Teles que determinou o encerramento a 21 de Maio de 1965 da Sociedade Portuguesa de Escritores, (atual Associação Portuguesa de Escritores) por ter atribuído o Grande Prémio de Novelística ao livro Luuanda da autoria de Luandino Vieira, preso como terrorista, no Tarrafal. Quase todos os membros do júri foram interrogados e presos pela PIDE. Do júri fizeram parte Augusto Abelaira, João Gaspar Simões, Fernanda Botelho, Alexandre Pinheiro Torres e Manuel da Fonseca.
A sede em Lisboa da Sociedade Portuguesa de Escritores, na rua Escola Politécnica foi assaltada, na noite da extinção. Elementos da extrema-direita, ligados à Legião Portuguesa e à Brigada Naval, destruíram todo o recheio. Apenas escapou o retrato de Aquilino Ribeiro, feito pelo pintor Rui Filipe.
É nesta atmosfera opaca, repressiva e de medo generalizado que, em Maio de 1963 se assinalavam, em todo o País, as bodas de ouro da carreira literária de Aquilino, a publicação, em 1913, do primeiro livro de Aquilino, Jardim das Tormentas que o projetou numa dimensão nacional. Vigiadas pela PIDE e truncadas e omitidas pela censura, nos jornais, na rádio e na televisão as comemorações realizaram-se desde a Academia das Ciências, a Sociedade Portuguesa de Escritores, o Ateneu Comercial do Porto, até associações operárias, e coletividades recreativas como o Sport de Algés e Dafundo, a última homenagem que recebeu falecendo dois dias depois.
Esta cerimónia reveste-se de um alto significado: entre os 50 anos da morte do escritor e os cem anos do Jardim das Tormentas, considero mais relevante o aparecimento do primeiro livro que, ao contrário de muitos outros escritores, o autor nunca o renegou ou escondeu, situando-o orgulhosamente à cabeça da sua tábua bibliográfica. A morte é um episódio natural da vida, o último acidente de percurso. O que hoje e tantas quantas vezes aqui viermos é e será para celebrar a obra de Aquilino. A escrita que traz a luz que descobre, recria e perpetua a torrente das palavras que emergem dos reinos da natureza e encerram o ímpeto genesíaco dos seus elementos primordiais.
Prestamos, ainda, homenagem ao fundador da Associação Portuguesa de Escritores ao sócio número um, ao primeiro escritor do século XX que teve honras de panteão, não apenas pela obra literária mas, também, devido à participação contra regimes e contra sistemas totalitários, repudiando as cartilhas da obediência, a sociedade mumificada, a imposição do pensamento único.
Tenho a honra de ter sido convidado pela Associação Portuguesa de Escritores, por haver, nos anos 90, sugerido no Diário de Notícias e depois reforçado, em Viseu, em 2005, a ideia de se constituir à escala regional e nacional, um movimento para a trasladação de Aquilino para o Panteão. A Assembleia da República acolheu o projeto que teve votação por unanimidade de todos os grupos parlamentares. A 19 de Setembro de 2007, Aquilino ficou no Panteão Nacional.
Uma das razões que justificaram a tumulização no Panteão Nacional – assim o definiram o fundador Passos Manuel e Garrett que redigiu a memória justificativa e as regras de acesso – contempla o reconhecimento do mérito literário e artístico mas conjugado com a intervenção cívica. A obra de Aquilino, desde o primeiro ao último livro, desde o Jardim das Tormentas à Casa do Escorpião exerceu uma crítica sistemática aos responsáveis por condicionalismos políticos, sociais e religiosos que atrofiaram as mentalidades e determinaram o atraso de Portugal em relação à Europa e o mundo.
Aquilino permanece entre duas outras grandes personalidades aqui consagradas, Garrett e Teófilo Braga, que se empenharam em ações públicas e textos publicados, para conseguir estatuto para a criação intelectual como atividade profissional autónoma, para a defesa dos direitos de autor, para a dignificação e integração do escritor como protagonista da irradiação da cultura, fator decisivo para a transformação e progresso do País. Para Aquilino a literatura é inseparável da intervenção cívica. Por este motivo e em face da grave crise política, económica, cultural e moral que nos asfixia e degrada o País, também, viemos aqui prestar a Aquilino Ribeiro, a nossa homenagem de apreço e gratidão.
Antonio Valdemar
Intervenção proferida na cerimonia organizada pela Sociedade Portuguesa de Autores, e a convite da sua direção por ter promovido, entre 2005 a 2007, o movimento que conduziu à tumulização de Aquilino, no Panteão Nacional.

Aquilino: cem anos de consagração
“Discurso do Irmão António Valdemar no Panteão Nacional, em homenagem a um dos maiores escritores portugueses, Aquilino Ribeiro. Tratou-se de uma iniciativa da Sociedade Portuguesa de Autores.
Dado que a nossa língua comum é um património inestimável e que os escritores são um farol civilizacional, penso que seria de muito interesse para todos os leitores do JB News conhecerem esta peça literária e histórica que foi o discurso do nosso Ir.´. António Valdemar”
(Ir.´. Mário Jorge – Lisboa)

Fonte: JB News

Acesse o site www.banquetemaconico.com.br e veja o sumário do livro. Tenho a certeza de que você vai gostar.

http://produto.mercadolivre.com.br/MLB-517935123-banquete-macnico-origens-preparaco-ritualistica-_JM
 .......................................................................................................................................................

 

www.banquetemaconico.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário