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Escrito por Modesto Carvalhosa |
Ter, 24 de Março de 2015 08:57 |
As medidas de combate à corrupção
anunciadas pela presidente da República dia 18 aprofundam ainda mais a
falta de credibilidade do governo, tanto no plano nacional quanto no
exterior.
Em decorrência da devastadora corrupção
que se alastrou no governo federal, o Brasil, outrora país emergente,
hoje sofre um desprestígio no mundo parecido com os tempos da inflação
galopante e dos calotes internacionais dos anos 1980.
O pacote anticorrupção, solenemente
anunciado pela presidente, insere-se nesse quadro melancólico, pois não
é crível que um governo marcado e devastado pela prática generalizada
de apropriação de recursos públicos em benefício dos partidos no poder
venha, agora, colocar-se na posição de combatente do mal que ele mesmo
diariamente pratica.
Nesse quadro patético, as propostas
legislativas são mais do mesmo, pois o crime do caixa 2 está previsto
no vigente Código Eleitoral, de 1965, no artigo 350. Quanto ao
dramático confisco de bens dos corruptos, a matéria está plenamente
contemplada na lei vigente de Improbidade Administrativa, de 1992,
artigos 9º, 12 e 16. As demais “providências” legislativas da
presidente são objeto de projetos de lei em curso no Congresso, razão
pela qual nada de novo foi traduzido pelo alardeado pacote.
LEI ANTICORRUPÇÃO
Quanto ao decreto que “regulamenta” a
Lei Anticorrupção, ressalta desde logo tratar-se de um monstrengo que
visa, sob todas as formas possíveis, a promover a anistia ampla, geral e
irrestrita das empreiteiras e fornecedoras envolvidas na Operação Lava
Jato, procurando mesmo imunizá-las a qualquer outra conduta corruptiva
que tenham praticado fora do âmbito da Petrobrás e ainda não
reveladas.
Assim, o atual governo, na esteira dos
três últimos que o precederam, demonstra que no Brasil ainda impera a
república das empreiteiras, embora estas já estejam muito combalidas,
em decorrência da firme atuação da Polícia Federal, do Ministério
Público, da Justiça Federal, do STJ e do STF.
O referido “decreto regulamentador” da
Presidência demonstra, às escancaras, a firme determinação do governo
de proteger as empresas que com ele contratam, mantendo os mesmos
termos viciados no futuro.
Ao invés de concentrar a competência de
processar as referidas empresas corruptas na Controladoria-Geral da
União, o decreto outorga esse poder aos ministros do Estado (pasmem!),
que são, desde 2003, os principais atores da prática de corrupção no
Brasil.
“AUTORIDADES”
Só do último governo três deles estão
sob investigação no STF e dez outros já haviam sido flagrados em atos
de corrupção, só no ano de 2011. São essas as “autoridades” que vão
processar as empreiteiras. Pode-se imaginar o nível de corrupção que
vai surgir dessa “competência ministerial”.
Será um novo núcleo de propinas, de
tráfico de influência, de advocacia administrativa e de prevaricação.
Surge um novo negócio de corrupção jamais imaginado, para grande
proveito dos titulares de 39 pastas e dos partidos que os indicaram.
Não bastasse, a eventual condenação das
empreiteiras pelo “ministro competente” pode ser objeto de
“reconsideração” com efeito suspensivo, o que encarece ainda mais o
comércio de favores ilícitos que será gerado por essa instância
administrativa. A Lei Anticorrupção não fala de instância de
reconsideração.
“INVESTIGAÇÃO SIGILOSA”
Também o decreto presidencial de 18/3
cria a figura da “investigação preliminar sigilosa”, anterior à
instalação do chamado Processo Administrativo de Responsabilização. Eis
aí outro foco de corrupção, pois de suas conclusões secretas pode
decorrer o arquivamento do pedido de instalação do processo.
Esse novo produto de corrupção
obviamente não está previsto na Lei Anticorrupção de 2013 que a
presidente resolveu agora “regulamentar”. Essa lei, aliás, não comporta
nenhuma regulamentação, na medida em que é autoaplicável a partir de
29/1/2014, abrangendo todos os crimes continuados de corrupção, caso
dos listados na Lava Jato.
Mas não para aí o “regulamento
presidencial”. Em cinco artigos propositadamente confusos, o diploma do
Executivo limita a multa a 5% sobre o faturamento do último exercício
das empresas corruptas. A Lei Anticorrupção, todavia, fala em até 20%.
Derroga, portanto, o “ato presidencial” a Lei Anticorrupção também
nesse aspecto.
Ademais, os cálculos de aplicação dessas
multas com teto quatro vezes reduzido são propositadamente de alta
complexidade para permitir que as empreiteiras consigam suspender e, em
seguida, anular no Judiciário as decisões condenatórias que muito
raramente os ilibados ministros de Estado lhes aplicarão.
ALIJAMENTO DO MP
Outro aspecto absurdo do “regulamento
presidencial” é a tentativa de alijamento do Ministério Público das
iniciativas de responsabilizar judicialmente as empresas corruptas,
buscando outorgar essa competência de propositura de ação civil pública
de reparação de danos a órgãos jurídicos da própria administração
federal. Essa tentativa é risível.
Inúmeras outras manobras de absolvição plena das empreiteiras estão espalhadas ao longo texto do decreto de 19 de março.
Por outro lado, o próprio decreto
reproduz a impossibilidade de firmar acordos de leniência a não ser com
a primeira empreiteira componente do cartel que opera na Petrobrás.
ANISTIA A EMPREITEIRAS
Diante desse impasse, socorre-se o
decreto do regime de conformidade (compliance), que é um dos fatores
que passam a propiciar a anistia das empreiteiras.
Se elas instituírem o regime de
conformidade poderão, inclusive, ser absolvidas sem o pagamento de
nenhuma multa, o que é absolutamente contrário ao texto da Lei
Anticorrupção.
Seria como alguém que praticou
latrocínio deixar de ser condenado a 30 anos de prisão só porque fez
profissão de fé numa igreja pentecostal prometendo seguir, a partir de
agora, os ensinamentos da Bíblia Sagrada.
Por todo esse absurdo, a cidadania pede
socorro ao Ministério Público para que requeira imediatamente ao
Judiciário a anulação desse regulamento espúrio que procura derrogar,
revogar, neutralizar e tornar letra morta a Lei Anticorrupção.
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