|
|
|
Escrito por Roberto Pompeu de Toledo |
Seg, 07 de Abril de 2014 14:00 |
Hideraldo
Luís Bellini e Adolfo Suárez González, dois personagens falecidos nas
últimas semanas, tinham em comum o fato de se terem congelado cada qual
em um gesto célebre.
Hideraldo Luís Bellini, para quem não está ligando o nome à pessoa, é o
Bellini capitão da seleção brasileira de 1958, a primeira a ganhar a
Copa do Mundo. Seu gesto foi estender os braços e erguer a taça acima da
cabeça, traduzindo a conquista em efígie épica. Adolfo Suárez é o
político espanhol que, em 1976, foi nomeado primeiro-ministro (ou
“presidente de governo”, como se diz por lá) pelo rei Juan Carlos com a
delicadíssima missão de conduzir a transição da ditadura do general
Francisco Franco para a democracia. Seu gesto foi, cinco anos depois,
quando um bando de estouvados golpistas invadiu as Cortes (o Parlamento
espanhol), começou a atirar a esmo e pediu aos deputados que se
deitassem-0i0 no chão, ter permanecido teimosamente sentado, “sozinho,
estatuário e espectral”, como descreveu o escritor Javier Cercas, autor
de brilhante livro sobre o assunto (Anatomia de um Instante), enquanto
os outros rastejavam atrás das bancadas.
Há estranhas coincidências na vida
desses dois homens tão diferentes, de países diferentes e de universos
diferentes como o esporte e a política. Ambos, para começar, eram
considerados medíocres no que faziam. Bellini impunha-se nos gramados
pelo porte físico. Todos os companheiros da seleção de 1958 eram
tecnicamente melhores do que ele. Adolfo Suárez foi péssimo estudante,
formou-se em direito aos trancos e barrancos e ascendeu na política à
custa de espertezas. Bellini foi escolhido capitão porque era zagueiro
(reza a cartilha do futebol que zagueiros dão melhores capitães),
porque era branco (em 1958 vigia a lenda de que o Brasil perdera as
copas anteriores por excesso de negros no time) mas também porque era
um homem reto e tinha espírito de liderança. Adolfo Suárez, “o
protótipo perfeito do arrivista que a corrupção generalizada do
franquismo criou”, segundo Javier Cercas, nem fama de homem reto tinha
ao ser escolhido para o cargo. Causou surpresa e desconfiança que um
homem com raízes no passado ditatorial tivesse sido incumbido de
conduzir o processo destinado à democratização.
Os dois se superaram em seus papéis.
Bellini foi o capitão exemplar. Se não tinha a técnica, encarnou o
empenho e a entrega ─ a “raça”, como se diz no futebol, que também foi
característica daquele time, e de outros times que defendeu. Virou o
paradigma do capitão no futebol brasileiro. Suárez, para completa
surpresa dos compatriotas, assumiu em sua inteireza a nova persona de
democrata e com coragem e habilidade, além das habituais espertezas,
levou a bom termo a missão. Tanto grudou em sua pessoa a causa da
democracia que até se arriscou por ela, naquele fim de tarde nas
Cortes, com seu gesto solitário, enquanto as balas zuniam. O gesto de
Bellini não teve perigos a cercá-lo, mas coincide com o de Suárez na
solidão que igualmente o caracteriza. Levantar a taça virou praxe,
depois que ele inventou tal procedimento, mas foi assumindo novas
feições. Hoje não é mais um gesto solitário. Depois de erguida pelo
capitão, a taça vai passando de mão em mão entre os demais jogadores,
enquanto todos pulam, gritam e cantam. O que era celebração de triunfo
em modo hierático como de general romano virou carnaval.
Por que Bellini levantou a taça? “Porque
todos queriam vê-la e fotografá-la”, respondeu mil vezes o capitão.
Por que Suárez se manteve sentado? “Porque um presidente de governo não
deve nunca deitar-se ao chão”, respondia o dirigente espanhol. A vida é
assim, simples assim; gestos eternos surgem do nada.
Os dois gestos tiveram significado profundo e duradouro para as
respectivas pátrias. O de Bellini simbolizou a vitória sobre o complexo
de vira-latas. O de Suárez tornou-se a expressão da altivez e da
coragem que contribuíram para a consolidação da democracia. Uma última
coincidência entre os dois homens é que ambos viveram os anos finais
fulminados pela tragédia da doença de Alzheimer, sem reconhecer os
parentes, escondidos em seus cantos, sem saber nem mesmo quem eram, e
muito menos lembrar-se de que um dia protagonizaram gestos que ficaram
para a história. A vida também é assim.
Fonte: Veja.com
|
Entrevistas
Política, Economia e Direito
Setembro.net
Denúncia
Civismo/Cidadania/Patriotismo
Categorias
Gastronomia
Meio Ambiente
Contato
Sites
Formadores de Opinião
O Livro Banquete Maçônico
Esperanto
Home
Tecnologia
Banquete Maçônico
Últimas Publicações
Saúde
TEMPLO DE ESTUDOS MAÇÔNICOS
Templo de Estudos Maçônicos
Charges
Poesia & Prosa
Educação, Família e Filosofia
Nenhum comentário:
Postar um comentário