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Escrito por Marco Antonio Villa |
Qua, 09 de Abril de 2014 14:00 |
A lembrança dos 50 anos da queda de João
Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da
história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido.
Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o
nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu
ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar
acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à
crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos
anos 1960-1970.
A tendência à hagiografia mais uma vez
esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente
reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz.
Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de
assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o
jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à
revista Playboy (abril, 1999) disse que Jango “era um
primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês,
ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas
doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João
Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964.
Não fiquei.” (Minha razão de viver, p. 238).
Não é possível ignorar o caos instalado
no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada
pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da
crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que
retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de
Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser
contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de
ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o
senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que
em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este,
quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu:
“Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele
fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (Artes da política, p.455)
Também causa estranheza a mea culpa de
alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de
Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país
com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises
políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas
movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924,
Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 ─
tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro ─
e 1961.
Jogar a cartada militar fazia parte da
política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa
duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições
de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966.
Esta leitura foi feita por JK ─ e também por Carlos Lacerda. Os dois
principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que
Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse:
terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.
JK imaginou que Castello Branco era o
marechal Lott e que 1964 era a repetição ─ um pouco mais agudizada ─ da
crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de
separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis
à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a
violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se
imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime
que durou duas décadas é pura hipocrisia.
Ainda no terreno das falácias, a
rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra
o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos ─
alguns com duas dúzias de militantes ─ defendeu em momento algum o
regime democrático. Todos ─ sem exceção ─ eram adeptos da ditadura do
proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo
cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas
─ isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.
A ação destes grupos os aproximaram dos
militares. Ambos entendiam a política como guerra ─ portanto, não era
política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no
governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do
fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e
não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando,
irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo
desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham
vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.
Em mais de um mês não li ou ouvi
qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da
luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo
fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores.
Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da
resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB.
Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo
Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e
artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?
Em um país com uma terrível herança
autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a
importância dos valores democráticos.
Fonte: Veja.com
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